sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Reflexão para a 26a sexta-feira do Tempo Comum, anos pares

Pequenino

A escolha litúrgica do ciclo de leituras – que necessariamente comporta cortes – faz-nos saltar do início ao final do livro de Jó, ao ponto em que o homem, que ousa protestar contra Deus e os homens, finalmente se rende diante do Onipotente: «Eis, sou bem pequenino: que te posso responder? Coloco a mão sobre minha boca» (Jó 40,4). Para chegar a este ponto foram necessárias muitas e intermináveis palavras e, muitas vezes, desencorajantes diálogos. Foi preciso passar através da oração, do lamento, da invectiva, do protesto e, até mesmo – de certo modo – da «blasfêmia», para poder dizer ao final: «coloco a mão sobre minha boca». Este gesto – chegando ao final de toda uma viagem interior, feita de trabalhosa tomada de consciência da complexidade da vida e do assumir o abissal mistério da dor – não tem nada de vil ou vergonhoso; é, ao contrário, um gesto de entrega, no qual se manifesta toda a própria dignidade e personalidade. É comovente imaginar Jó que caminha, não com uma lanterna – como Diógenes – mas na escuridão mais densa, e com a mão na boca para não proferir palavra, todo dedicado a ruminar interiormente as palavras do salmo: «Senhor, tu sabes!» (Sl 138,1-2).

Quantas coisas Jó pensava saber sobre Deus e sobre si mesmo! Quantas coisas os seus amigos pensavam poder-lhe dizer sobre Deus e sobre o mundo! Era de tal modo grande a presunção de saber mais que o Onipotente que, em um certo momento, o mesmo Criador parece obrigado a sair de seu amado silêncio para colocar as criaturas diante de sua própria pequenez: «Chegaste perto das nascentes do mar? Ou pousate no fundo do oceano?» (Jó 38,16). Não é raro que se lamente do silêncio de Deus e então começa-se a tagarelar-lhe com nossas súplicas e as nossas reprovações, para que se apresente e se faça escutar, finalmente. Mas eis que, quando o grande interrogado da humanidade se faz interrogante do homem – como no Jardim da origem (cf. Gn 3) – talvez fosse preferível o seu eterno e pacientíssimo silêncio: «Foram-te franquadas as portas da morte, ou viste os portais das Sombras? Conta-me se sabes tudo isto!» (Jó 38,17-18). Para nós todos vale a reprovação do Senhor Jesus: «Porque se, em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que foram feitos em vosso meio, há muito tempo teriam se convertido!» (Lc 10,13). E quais seriam estes milagres? Bastaria reler os capítulos 38-40 do livro de Jó para abrir os olhos sobre os inumeráveis milagres cotidianos, sobre o estupendo milagre do cotidiano, para permanecer comovidos e agradecidos.

Nesta obra de abertura dos olhos do coração, poderia ajudar-nos S. Francisco de Assis. O qual – já cego no corpo – foi capaz de enumerar o estupendo dom do livro da Criação, cantando: «Altíssimo Onipotente, bom Senhor...». Ser «pequenino» (Jó 40,4) não significa ceder à pequenez, mas muito mais, como Francisco, fixar o olhar sobre a grandeza de Deus, que emana de cada pequena coisa, na qual está presente sempre de alguma forma, um raio da beleza divina, que é o seu amor. Não é esta, talvez, a via pela qual se vai «onde habita a luz» (Jó38,19)? Não é esta a perfeita alegria?! Não cansemos a «paciência de Deus» (Is 7) continuando a pedir e a buscar sinais, que não são aqueles com os quais é constelado o nosso viver cotidiano, que é, não obstante tudo, acompanhado pela silenciosa presença de Deus.

Fratel Michel Davide OSB

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